Por Patrícia Colombo
Designer, ilustrador, diretor de arte, Rico Lins é uma das figuras mais celebradas no campo da produção visual no Brasil. E nesta semana ele estará aqui no Red Bull Station para comandar uma oficina de colagens com duração de dois dias para 15 inscritos, bem como realizar uma palestra sobre processos criativos nesta quinta (6), cujas inscrições estão encerradas.
Formado pela ESDI, Rio, em 1979 e com Master pelo Royal College of Art de Londres, Rico é membro da AGI (Alliance Graphique Internationale) e detentor de um currículo extenso com atuação nacional e internacional, apresentando um trabalho que, grosso modo, mistura elementos do DNA brasileiro e influências de vanguardas como o Surrealismo e o Dadaísmo.
No workshop, Rico vai propor aos participantes a utilização de uma notícia da imprensa como ponto de partida para traçar um ou mais comentários pessoais sobre o fato, valendo-se de referências visuais extraídas também de elementos do cotidiano, como bilhetes de metrô, embalagens, bulas, panfletos etc.
Na discussão sobre digital e analógico dentro do campo artístico, Rico enxerga no trabalho híbrido a melhor saída para a criação, e acredita que o segredo para a produção artística autoral de qualidade está em “encontrar o equilíbrio entre o acaso, a reflexão e o conceito”. Conversamos com ele sobre a atividade de realizará por aqui e acerca da sua visão com relação à profissão, o futuro do design e o campo das ideias.
Os participantes da oficina trarão materiais do cotidiano. Como pensou na atividade e quais os objetivos criativos dela?
Eu acho que a gente vive atualmente em uma situação da facilidade de acesso à quantidade de imagens graças à internet. O que é legal desde que você tenha uma ideia clara do que quer fazer, se já possui um trabalho de edição e uma capacidade de busca refinados — caso contrário qualquer coisa que encontre acaba valendo, o que empobrece a produção. Quando temos trabalhos gráficos de base analógica, o exercício de reflexão é outro. Acho interessante incorporarmos esse lado mais expressivo, saindo da imaterialidade da internet ao fazer um comentário sobre fatos do cotidiano. Agregar elementos físicos, desde o bilhete do metro à chave de casa. Essas coisas que temos e guardamos podem ser usadas criativamente, além dos materiais tradicionais como papel, tinta cola etc. É um convite para um olhar mais pessoal. Essa geração tem uma ligação muito forte com o computador, e fazem esse trabalho super bem. Mas a ideia é exatamente tirar da zona de conforto para encontrar soluções criativas por outro caminho.
Trata-se de um processo bastante orgânico e artesanal. Acredita que esta é ainda a melhor forma de criar? Como o mundo digital mudou o olhar da produção?
Mudou olhar, mudou o tempo de observação e a busca, mas, sobretudo, houve um aumento da possibilidade de você admitir surpresas e erros no processo — coisa que acaba sendo barrada no mundo concreto, em certo aspecto, porque o processo inclui um planejamento criativo. Se por um lado pode ser positivo, por outro acho que você pode colocar o artista contraditorialmente em uma posição menos espontânea. Por exemplo, uma ideia que venha do Pinterest que a pessoa se apropria e adapta nos moldes dela mesma, sem o envolvimento criativo que representa a melhor parte do trabalho. Foca-se muito no resultado, por isso faz falta esse tipo de abordagem mais experimental. Na arte, quanto mais caótico o ambiente maior a possibilidade de criação? Não sei se existe uma relação direta assim. Mas acredito que se você se encontra em uma situação limite, passa a existir uma necessidade mais intensa de se expressar. Acredito no encontro de alternativas criativas para isso, que servirão como ferramentas fundamentais.
Qual a função social do design para você?
Primeiro, trata-se de uma atividade que é próxima da arte, mas de uma maneira aplicada. Acho que temos no Brasil a necessidade de um design de utilidade pública, que muitas vezes e relegado a segundo plano. As pessoas estudam nos cursos como fazer uma embalagem para uma marca de celular, por exemplo, mas dificilmente trabalharão conceitos para criar uma campanha social qualquer. Então, acho que é interessante trazer isso um pouco à tona. Esse exercício tem um pé no design e um pé na ilustração. Mas acho que a responsabilidade social e crítica é fundamental. O design atua no âmbito da cultura e, por isso, também está ligado à todas as circunstâncias históricas, políticas, etc. Faz parte da sociedade. É importante ter esse termômetro na hora de produzir, em termos de conteúdo e forma.
Certa vez você salientou a importância de “ver o que não existe para criar o próprio caminho na profissão”. Essa sempre foi sua postura? Como é a aplicação disso na prática?
Acho que não existe um manual, mas acredito em encontrar o equilíbrio entre o acaso, a reflexão e o conceito. Você pode ressignificar as coisas que encontra pelo caminho. De repente, por exemplo, um rótulo de um produto pode ser perfeito para que você produza um cartaz a partir dele. Cabe ao olhar pessoal descobrir coisas no cotidiano que já tenham uma carga de informação, e, a partir dela, garantir esse deslocamento. É perceber o que o acaso trouxe para poder extrair algo criativo disso.
Como enxerga o cenário futuro do design?
Acho que houve uma expansão muito grande. O futuro certamente tem uma presença digital intensa e bem-vinda, mas acho que deve ser com um olhar crítico no sentido, inclusive, de subverter a lógica dos softwares. Conseguir trabalhar com essas ferramentas de maneira criativa, caso contrário teremos trabalhos iguais sempre. E, para isso, ter conhecimento do processo analógico ajuda bastante. Estamos vivendo no mundo todo uma retomada de uma condição um pouco mais modrrnista, da Escolar do Suíça, por exemplo, sessentista, uma coisa clean e objetiva. E também, por outro lado, vemos a expansão grande de técnicas alternativas de impressão, de fanzines. O digital permite que vc tenha mais flexibilidade nisso. Você não precisa imprimir um livro ou um cartaz com uma tiragem muito grande, que costuma inviabilizando o trabalho. Dá para fazer com uma tecnologia que propicia a produção mais barata.
Vemos hoje os exemplos das feiras Plana e Tijuana…
Não tinha isso antigamente, cresceu muito. Deve-se à proliferação de impressões alternativas, com equipamentos que permitem isso, como a risografia, laser, coisas que já existem dentro do ambiente digital. A risografia tem um pé no digital e um pé no analógico. Esse ambiente híbrido é muito instigante para a criação. Nessas feiras você vê uma quantidade de produções que têm qualidade estética, gráfica, visual. Existe uma possibilidade de encontrar tribos que você não encontraria em um outro ambiente.
Considera isso uma espécie de popularização do design?
Não sei se popularização, mas democratização com certeza. Existe mais acessos não só com relação aos meios de produção, como também ao que é produzido.