Ícaro Lira dá forma ao “Museu do Estrangeiro”, instituição efêmera, mutante e itinerante com a qual chama a atenção para as diversas configurações nas quais a condição de imigrante/migrante se constitui. Através de documentos, objetos coletados e construídos, anotações, publicações, diagramas e depoimentos, o artista nos coloca em contato com a realidade perversa, cruel e chocante, a que parte desta parcela da população se vê submetida. Com seu proceder híbrido de artista/etnógrafo, que inclui a pesquisa de campo, o registro, a classificação e posterior ressignificação do material coletado, o artista explicita, problematiza e desloca* o assunto da diáspora (especificamente no Brasil, e em São Paulo) fazendo-nos pensar sobre o quanto este tema é negligenciado pelo corpo da sociedade.
“Explicita” na escolha do acervo, cru e direto, que na configuração apresentada na exposição final da residência do Red Bull Station além dos elementos próprios da pesquisa de campo, inclui a apropriação de vídeos extraídos do youtube e uma biblioteca sobre á temática do estrangeiro.
“Problematiza” quando por exemplo, coloca em diálogo uma imagem de jornal que documenta um caso recente de violência urbana no qual um jovem negro foi preso a um poste por um grupo de pessoas no Rio de Janeiro, com uma planta coletada na sua passagem por canudos. Este contraponto alude à conformação étnica da primeira favela do Rio de Janeiro fundada por descendentes de escravos provenientes da região do interior Baiano. Este grupo social veio a se transformar em mão de obra barata até ser substituído por novas populações de imigrantes, num processo cíclico ainda em andamento. Com este tipo de associação o artista aponta para as inúmeras relações causais que atravessam a história do país e que determinam o nosso presente como sociedade. A respeito da reutilização e recombinação de materiais e significantes de estudos passados e atuais, vale lembrar que o procedimento é uma constante na pesquisa do artista que vê o seu trabalho como um continuo, e que para além do momento expositivo, ganha vida, sobretudo, através da internet, de publicações e de diversas atividades efêmeras como oficinas, debates e palestras que ele organiza. O diagrama localizado numa das paredes da Galeria Principal ilustra o seu percurso de pesquisa até o momento, e indica o caminho de futuros desdobramentos.
Por último, Lira “desloca” quando indexa a sua coleção como uma grande base de dados não hierárquica a ser editada, ou “montada”, pelo visitante promovendo assim múltiplas leituras e cruzamentos, transformando o museu num dispositivo aberto, permeável, e nada didático que exige participação ativa do visitante.
* Explicitar, problematizar e deslocar são os elementos identificados por Suely Rolnik em “Furor de Arquivo”, como fundamentais para que a prática do arquivo possa ativar experiências sensíveis no presente.