No Cine Performa desta quinta (2), o filme em exibição é “Os Negativos”. Dirigido pelo espanhol Angel Díez, o documentário aborda a história de amizade e as reviravoltas na relação entre a fotógrafa e editora Arlete Soares e o fotógrafo e etnólogo Pierre Verger: do encontro dos dois, na década de 70, até o descobrimento de mais de 60 mil negativos que o francês julgava perdidos. “Achei que, tematicamente, amor e traição, fotografia e palavra, dariam um bom filme”, diz o diretor.

Para saber mais sobre o documentário, entrevistamos Angel, que, assim como Verger, também é estrangeiro e viveu na Bahia — hoje ele mora no Rio, onde dá aulas na Escola de Cinema Darcy Ribeiro e colabora com o diretor Geraldo Sarno. O espanhol revela os obstáculos, a repercussão na estreia, o processo de filmagem, curiosidades técnicas e como tomou contato com o trabalho do etnólogo.
Quando você tomou maior contato com a história de Arlete e Verger, e quando decidiu que gostaria de filmar isso?
Cheguei na Bahia no final do 2001, logo depois do ataque às Torres Gêmeas. Em Paris, onde morei por 18 anos, trabalhei com uma produtora francesa ligada às cinematografias do então chamado Terceiro Mundo. Pouco depois de me instalar no Brasil ela me chamou querendo saber se estaria interessado em realizar um filme em torno da figura de Pierre Verger. Logicamente, respondi que sim na hora. Conhecia o trabalho de Verger, tanto fotográfico como de pesquisa escrita e admirava ele. O contato em Salvador era Arlete Soares, editora de seus primeiros livros, e imediatamente fui visitá-la. A ideia de Arlete era a de editar um material filmado em formato U-MATIC anos antes da morte do fotógrafo, supostamente inédito. Depois de assistir às imagens em vídeo e de me deparar, por acidente, com um filme já existente elaborado com a mesma fonte, pensei em desistir. Mas nesse período tive a oportunidade de conversar longamente com Arlete. E a sua história de amizade com o antropólogo francês, as reviravoltas dessa relação e o tema do olhar foram me conquistando aos poucos. Achei que, tematicamente, amor e traição, fotografia e palavra, dariam um bom filme.
Como foi escolhida a estrutura narrativa do filme, de uma grande entrevista, e como foi o processo de gravação?
A estrutura do filme era outra. Um dia antes das filmagens o produtor brasileiro me ligou querendo parar tudo. As exigências de Arlete eram surreais: a câmera deveria ocupar um lugar fixo, não seriam atendidas propostas não contratadas antes (elaborei um roteiro a partir dos registros de áudio com ela meses antes, editado, e que serviriam de roteiro durante a realização do filme). Apesar das adversidades decidi ir em frente e aceitei as limitações. Na última hora consegui uma velha câmera Betacam em desuso, à qual incorporamos uma meia em poliéster dentro da objetiva, que produzia uma difusão interessante. Decidi, junto com a diretora de fotografia, instalar uma iluminação violenta e filmei durante dezoito dias com uma equipe de oito pessoas. Tudo isso em um plano só, fora os planos realizados em 35 mm (o pátio, o escritório, os objetos). Na pós-produção filmei novamente o material bruto em um monitor vídeo, provocando novos enquadramentos e produzindo movimentos de câmera que não existiam no original. Fora isso, contratei os serviços de um salão de beleza para manter o aspeto físico de Arlete durante as filmagens. A ideia era que tudo isso acontecia em uma tarde e com um equipamento amador.
“Os Negativos”, na estreia, foi acusado de tendencioso. Meu trabalho foi também questionado. Assim como minha conduta ética. Como gastar 110.000 reais em uma entrevista realizada no transcurso de uma tarde e com uma câmera amadora? Fiquei feliz com as críticas, mas triste por não ter atingido o objetivo de meu filme: a transmissão do olhar.
Assim como Verger, você também nasceu em outro país e viveu na Bahia. Qual sua relação com a obra dele?
Conheci a obra dele por estar casado na época com uma brasileira nascida em Salvador. Eu morava em Paris e as visitas da família dela eram frequentes. Ela era filha de um professor e critico de arte baiano que morreu em um acidente de aviação e que foi de alguma maneira adotada pelo artista Carybé, amigo e quase irmão do pai. Foi Carybé que me deu de presente o livro “Lendas Africanas dos Orixás”, ilustrado por ele a partir dos textos do francês. Verger estava também nas minhas leituras, “Fluxo e Refluxo”, e nas visitas às exposições, ainda tímidas naquela época, do fotógrafo.