Cidade

Paulo Saldiva contra as doenças urbanas

13nov

por Red Bull Station

Médico patologista, professor titular da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador, Paulo Saldiva é um dos maiores especialistas em poluição atmosférica e seus efeitos na saúde da população. Além de ser uma figura brilhante, que consegue encarar com otimismo e bom humor os graves problemas que a capital paulista enfrenta, mas sem abandonar uma posição crítica diante desses. 

Apesar de seu foco de pesquisa ser o ar, o médico enxerga a cidade como um todo e não há como tratar do pulmão sem olhar para o resto do “corpo”. A verdade é que nosso diagnóstico seria cômico se não fosse trágico: “São Paulo é uma cidade obesa, com trombose arterial por trombos veiculares, que sofre de desidratação, calvice central, insuficiência renal, impotência e Alzheimer nos neurônios dirigentes, que esquecem rapidamente o que foi prometido na eleição passada”, comenta, fazendo uma analogia ao corpo humano. 

A convite do Red Bull Basement, Dr. Saldiva visitou o lab hacker do Red Bull Station e conversou individualmente com os residentes do programa para dar seu input sobre os projetos que estão desenvolvendo, os quais envolvem o uso da tecnologia digital para trazer melhorias ao espaço urbano em São Paulo. Após o encontro, aproveitamos para bater um papo com Dr. Saldiva sobre os problemas de saúde urbana e seus fatores sociais, ambientais, culturais e políticos.

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CICLISTA
Quando eu entrei na faculdade aos 17 anos, em 1973, não tinha este negócio de ecologia. Os ônibus eram ruins e eu gostava da bicicleta e fui me acostumando. Hoje já é mais fácil, além de ser mais rápido.

PAULISTANO E ASMÁTICO
Sou médico, com atividade clínica e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Na verdade, não sabia o que fazer e decidi cursar patologia, ciência que estuda o mecanismo de doenças. Aí apareceu na faculdade uma pessoa que queria estudar a poluição do ar e me interessei também. Mas a verdade é que está em mim: sou asmático e paulistano, então fui por este caminho.

VOCÊ NÃO É SÓ O QUE VOCÊ COME
Depois que inventaram a anestesia, o antibiótico e a vacina – que são manobras de sustentação de vida -começaram a aparecer outras coisas. Você vai viver mais ou menos e melhor ou pior a partir do que você come, do que você bebe, do que você inala e da forma que você organiza a sua vida.

PATOLOGIA URBANA
7 milhões de pessoas morrem por ano no mundo por causa da poluição do ar; quatro mil em São Paulo. Além de seus desdobramentos como sedentarismo, stress e obesidade. Existe uma transversalidade entre os problemas urbanos e 88% dos brasileiros hoje moram em áreas urbanas, portanto acredito que as cidades têm um papel determinante em algumas doenças crônico-degenerativas.

OBESIDADE
Se coloque na altura de uma criança e veja o que ela enxerga em uma gôndola de supermercado no caixa. Só tem porcaria como recompensa. Aí, ela começa a amadurecer a papila gustativa e o hipotálamo para comer em uma fase na qual ela está ainda maturando o sistema nervoso central.

Ao mesmo tempo, a cidade ficou violenta, pelo tráfico, pela violência criminal, e enquanto minha mãe falava “muleque, para de jogar bola e vem comer” hoje passou a ser o contrário. Se você nao considerar a dinâmica desta sociedade obesogênica, não adianta dar o hormônio da tireóide; você tem que entender a doença dentro do contexto social, cultural e, inclusive, comercial.

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MOBILIDADE
Um jovem que perde cinco horas por dia no transporte são cinco horas a menos pra ele estudar, se exercitar e cuidar de si mesmo. É muito provável que sua capacidade de evoluir socialmente esteja se perdendo no trânsito. A mobilidade é um problema sério e é um problema de saúde que nao é encarado como tal. 

SAÚDE PÚBLICA TITANIC
Se você pegar todos os indicadores, o Brasil vem melhorando: a expectativa de vida ao nascer aumentou, caiu a mortalidade materna no parto, caiu a mortalidade infantil nos primeiros 5 anos de vida. São Paulo está sim melhorando, o problema é que se você precisar de uma medicina mais sofisticada, que envolve procedimentos mais avançados, é o mesmo princípio do Titanic: só tem bote e salva-vidas para a primeira classe. 

TRATANDO O PROBLEMA E NÃO A CAUSA
O corredor de ônibus Francisco Mourato – Rebouças, que passa ao lado do Hospital das Clínicas, de acordo com a Julia Greve, pesquisadora de trânsito, produz por mês doze pessoas com incapacidade permanente. Jovens, geralmente motociclistas ou pedestres, que vão ficar amputados ou plégicos.  E quem está pagando a vantagem competitiva é a previdência e a saúde.

O que fizeram na medicina? Aumentaram o numero de vagas de residência de ortopedia, neurocirurgia e cirurgia do trauma. É verdade, tem que ter, mas se ficar apenas nisso é o mesmo que aumentar, perante ao tabaco, o numero de cirurgiões torácicos para poder tirar mais câncer de pulmão.

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ECOSSISTEMA COMPLEXO
A saúde tem que lidar com temas que nao são classicamente considerados do setor. Controlar  o processo de vacinação vai muito bem, obrigado. Porém, quando é preciso falar com transporte, habitação e outras áreas as coisas começam a desandar. É um problema tanto administrativo quanto orçamentário e, principalmente, de falta de conhecimento deste ecossistema complexo que é uma cidade.

FAZENDO AS CONTAS I
Para melhorar tem que pôr dinheiro. Embora eu seja médico, estou convencido que ninguém se impressiona mais com fila de hospital – você tem que transformar em dinheiro. O prefeito de Dublin (capital da Irlanda), por exemplo, baniu o uso do carvão. Para cada libra investida em banir o carvão para aquecimento ele ganhou oito em saúde. Este é o argumento definitivo e esta conta não é feita.

FAZENDO AS CONTAS II
Se você anda em São Paulo você pode caminhar, sem perceber, 4 km por dia. Para uma pessoa de 70 kilos isso dá 350 calorias por dia – meio quilo por mês. Seu risco de doença cardiovascular cai, assim como os de osteoporose e diabetes, e sua saúde mental melhora. As pessoas estão percebendo agora que estão perdendo muito tempo no trânsito, perdendo tempo na vida, gastando fortunas em estacionamento. As pessoas fazem a conta.

A questão é que para a população tudo que é sustentável demora muito tempo e as pessoas querem enxergar um benefício imediato. Ao reduzir o consumo de carne vermelha, você reduz o metano no pasto e também seu risco de câncer no cólon. Portanto, se fizerem uma conexão entre os co-benefícios da sustentabilidade e os co-benefícios imediatos de saúde o indivíduo irá falar “vou fazer isso não porque é melhor para o planeta, mas porque é melhor para mim.”

PAU DE SELFIE
O egoísmo faz parte do elenco das emoções humanas, tanto que o pau de selfie está aí. Sob meu ponto de vista, o pau de selfie é o símbolo material da modernidade – você se enxergar, onde você estiver.

ANTÍDOTO
Estes conjuntos de doenças estão criando um apelo. A mobilidade por transporte coletivo está aumentando. O movimento para recompor parques está aumentando. Estamos em um momento de melhora porque ficou ruim de mais. Transformar em beneficio em saúde para a pessoa e em dinheiro para o governante são os remédios para a doença urbana em São Paulo.